A Reserva Particular
do Patrimônio Natural (RPPN) é um instrumento extremamente importante para a
conservação no Brasil, que complementa os esforços públicos de criação de
Unidades de Conservação (UC). Todavia, muitas vezes sua real importância como
força propulsora na ampliação de áreas protegidas é questionada,
argumentando-se principalmente alguns dos pontos abaixo listados: A ausência de
uma estratégia nacional ou regional precisa para a definição de áreas, como o
processo de definição de Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e
Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira ou outras estratégias
análogas;
A dependência de
intento dos proprietários;
A
insignificância da representatividade das RPPNs em extensão para a conservação
em um país como o Brasil, de representatividade continental;
A falta de
acompanhamento na gestão e incipiente fiscalização das ações e possíveis
impactos, o que levaria ao desconhecimento da real efetividade das RPPNs como
instrumento complementar à conservação da biodiversidade. Entretanto uma
análise mais apurada demonstra que o que seriam obstáculos ao estabelecimento
das RPPNs, na verdade vem se confirmando como peculiaridades que possibilitam
um caminho paralelo de ampliação do SNUC, mais independente do contexto político
em vigor. O mecanismo de reconhecimento de UC particulares, possibilita um
aumento de áreas protegidas e colabora para a constituição de corredores
ecológicos e conseqüente aumento da conectividade da paisagem, estratégia
importante não apenas na conservação da biodiversidade, mas na manutenção de
condições ambientais e microclimáticas adequadas.
A espontaneidade na criação
de RPPNs, possibilita que elas se dispersem por locais estratégicos, como
ecossistemas ameaçados, zonas de amortecimento de UC ou entorno de outras Áreas
Protegidas. No Brasil, a RPPN é a única categoria de UC possível de ser criada
a partir de um ato voluntário e em uma única propriedade privada, passando a
ser averbada cartorialmente ad perpetum. A compreensão do papel da RPPN e a
participação civil em sua criação, reconhecimento e gestão são passos que
promovem e fortalecem a cidadania e as relações socioambientais. Além disso,
também há benefícios assegurados ao proprietário, como direito de propriedade,
isenção do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, prioridade na análise
dos projetos, pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente e na análise de pedidos de
concessão de crédito agrícola, possibilidades de cooperação com entidades
privadas e públicas na proteção, gestão e manejo da RPPN (veja detalhes de
condições para criação de RPPN em âmbito federal clicando aqui). Ou seja, a
RPPN funciona também como uma estratégia que pode estreitar e tornar ainda mais
fecundos os laços afetivos e de pertencimento dos proprietários com suas
terras, que diversificam as diretrizes de gestão e envolvimento comunitário de
acordo com sua história, sensibilidade e propósito.
Assim, as RPPNs podem
diferenciar em seu intuito secundário, além da conservação, desenvolvendo
atividade de educação ambiental, restauração ou pesquisa, dentre outras. Em
ambientes nos quais grande parte dos remanescentes encontra-se em propriedades
privadas, como no Bioma Mata Atlântica, a estratégia de fomento às RPPNs com a
participação dos proprietários de terras na conservação in situ da
biodiversidade é de extrema importância No âmbito do Sistema Nacional de
Unidades de Conservação, a RPPN apresenta índices altamente positivos na
relação custo-benefício, tanto referente ao recurso econômico necessário para a
criação e manejo de uma UC quanto à demanda de técnicos e aceleração de todo o
processo, devido principalmente à sua fácil regulamentação. Além disso, o fato
de seu processo de reconhecimento não ser passível de desapropriações, como
muitas vezes é a criação de UCs de proteção integral, principalmente, já
possibilita o abrandamento dos possíveis conflitos gerados. A Confederação
Nacional de Reservas Particulares do Patrimônio Natural, através do Cadastro
Nacional de RPPNs, apresenta uma estimativa que oscila entre 856 a 930 RPPNs em
todo o território brasileiro (atualizado até jan/2009), dentre federais,
estaduais e municipais, somando aproximadamente 672.663 hectares.
O ICMBio,
órgão responsável pela implementação do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação (SNUC) e reconhecimento das RPPNs em âmbito federal, apresenta um
balanço de 532 Reservas (atualizado até set/2009), totalizando 486.423 hectares
de áreas particulares protegidas com representatividade em todos os Biomas
Brasileiros, sendo que 275 datam do ano 2000 ou de anos posteriores, o que
comprova a intensificação do uso dessa figura na última década.
Histórico Legal
O embrião do
conceito da Reserva Particular do Patrimônio Natural já se fazia presente no
Código Florestal de 1934, então chamadas de “florestas protetoras”;
inalienáveis, permaneciam de posse e domínio do proprietário, permanecendo
isentas de qualquer imposto, mesmo sobre a terra que ocupavam (Art. 4º, 11 e
17). Com a instituição do Novo Código Florestal3 , em 1965, embora o termo
‘florestas protetoras’ tenha sido suprimido, permaneceu a possibilidade de se
gravar uma floresta particular com perpetuidade, averbada à margem da inscrição
no Registro Público, verificada a existência de interesse público pela
autoridade florestal (Art. 6º e 9º). Até mesmo a possibilidade de isenção de
impostos permanecera (Art. 38), sendo revogada apenas no ano seguinte.
Em 1967, o Código de Caça inovou com mais um
marco legal para a conservação participativa, atribuindo ao cidadão a
possibilidade de se posicionar contra a caça em suas próprias terras, ainda que
em região do país legalizada para tal atividade: “A utilização, perseguição,
caça ou apanha de espécies da fauna silvestre em terras de domínio privado,
mesmo quando permitidas(...), poderão ser igualmente proibidas pelos
respectivos proprietários, assumindo estes a responsabilidade de fiscalização
de seus domínios” (Art. 1º, § 2º). Desde então, desencadeou-se a criação e
normatização de uma série de figuras jurídicas de similar teor e propósito, a
saber: em 1977, como resultado de solicitações e pressões da sociedade,
principalmente do Rio Grande do Sul, no intuito de formalizar a proibição da
caça em suas propriedades , criou-se a figura jurídica ‘Refúgio Particular de
Animais Nativos’6, pouco mais de 10 anos depois substituída pela ‘Reserva
Particular de Fauna e Flora’7, passando esta a abranger, além de animais
silvestres, a possibilidade de proteção da flora e da fauna marinha.
Com a
necessidade de mecanismos jurídicos melhor definidos e um arcabouço mais estável,
eis que vieram os Decretos Federais Nº 98.914/908 e Nº1922/969, dispondo uma
série de normas para a gestão e processo de criação das Reservas e instituindo
como o nome oficial ‘Reserva Particular do Patrimônio Natural’, sendo que as
Reserva Particular de Fauna e Flora deveriam ser adaptadas às novas normas
passando inclusive à nova denominação (Art. 10 do Decreto Nº 98.914/90). A
partir de então, houve também a possibilidade de reconhecimento das RPPNs pelos
órgãos ambientais estaduais, uma democratização e possibilidade de agilidade
nos processos.
Após anos de tramitação, a Lei Federal Nº9.985/2000, foi
finalmente aprovada, constituindo-se como uma importante conquista legal, por
instituir o Sistema Nacional de Unidade de Conservação, esclarecendo o
propósito de cada uma de suas categorias e suas interrelações funcionais.
Atualmente, as RPPNs continuam podendo ser criadas pela União ou pelos estados,
através de seus órgãos ambientais executivos. Com a aprovação do SNUC a RPPN
passa a integrar o Sistema Nacional, sem perder nenhum direito legal que antes
lhe cabia, tornando-se inclusive candidata aos recursos de compensação
ambiental para atividades prioritárias (plano de manejo, pesquisas e
implantação de programas) e, segundo o Decreto Nº 5.746/0611 que regulamenta
esta categoria, no caso da RPPN estar inserida em um mosaico de Áreas
Protegidas, o seu representante legal tem o direito de integrar o conselho
gestor do mosaico.
https://uc.socioambiental.org/uso-sustent%C3%A1vel/reserva-particular-do-patrim%C3%B4nio-natural
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