Era 1º de maio, 20h e todos os
convidados já estavam ao redor de duas grandes fogueiras que reluziam charme e
sensualidade no quintal da Bruxa Alicia[1],
uma mulher de 30 anos, cabelos loiros cacheados até o ombro, que reside desde
criança no bairro da Velha, em Blumenau. Sua casa é cheia de vida, á gatos,
cachorros e passarinhos que fazem a festa em sua casa, vivendo em perfeita
harmonia... "Até parece que sabem o que estamos fazendo aqui",
comentou uma das convidadas que olhava com desconfiança para o gatinho alaranjado
que espiava pela janela da sala, confesso que até eu estava um pouco aflita.
Não gosto de gatos, pois sempre os associo com algo sinistro, o que aos poucos
fui compreendendo que não passava de mero pré-conceito que adquiri ao longo da
vida.
Estávamos em 13 pessoas, homens e mulheres das mais variadas idades e
profissões. Haviam advogados, dentistas, donas-de-casa, estudantes e
professores... enfim pessoas comuns que estavam ali por um único objetivo:
celebrar o Beltane[2] em
comemoração a Rainha de Maio.https://www.facebook.com/celia.nochelli/posts/531613513662283
Nós que não estávamos nem um pouco acostumados com
comemorações como estas, estávamos trajados normalmente sem nenhum capricho em
particular, apenas levávamos algumas raízes (batatas e cenouras) e um copo de
vinho para comemorar a data. Mas como em todas as regras á exceções, uma das
adolescentes que estava conosco para participar da celebração, veio vestida de
chapéu e capa preta, que segundo ela "não deixaria por nada nesse mundo de
participar de uma festa de bruxas sem estar a rigor". Todos acharam graça
da jovem adolescente, mas concordamos num fato: ela leva jeito para bruxa! Todos
os convidados, inclusive eu, estavam ansiosos para a grande noite.
Não era uma
data comum, pois estaríamos festejando o Beltane, que segundo os celtas[3] (Alicia
se encarregou de explicar tudinho antes de começar o ritual) "é a mais
alegre e festiva comemoração celta é uma data profundamente sensual”. Aos
poucos, antes de dar inicio a celebração, íamos, nos familiarizando com o
significado do Beltane, de acordo com a lenda representa a entrada do jovem
Deus para a idade adulta, que se da inicio pelas energias da Natureza, pela
força das sementes e flores que desabrocham, onde a Deusa e o Deus se
apaixonam. E por isso o dia 1º de maio para os celtas é marcado pela celebração
de rituais de fertilidade e imensas fogueiras são acesas em todas as partes do
mundo. Elas simbolizam o calor da paixão
e a intensidade da interação entre a Deusa e o Deus, e a crescente fecundidade
da terra. Era evidente que estávamos nervosos, pois estávamos entrando em um
mundo totalmente diferente do que aquele que estávamos acostumados. Para nos,
falar de bruxaria é imaginar atrocidade cometida com animais ou alguma magia
negra para afugentar pessoas indesejáveis em nossas vidas.
Quem poderia nos garantir que no meio daquela fogueira não poderia brotar um "demônio" ou algum "anjo mal" para correr com todos nos dali? Estávamos com medo, mas o pavor e a ansiedade foi , tomada aos poucos pela curiosidade e a grande sensação de paz que em doses homeopáticas foi tomando conta do ambiente. Chega o momento esperado, ficamos de mãos dadas e em circulo ao redor das fogueiras. Alicia, adoravelmente misteriosa recita alguns versos celtas, e nos pedia que repetíssemos dando inicio a celebração de fertilidade. De acordo com Alicia, as duas fogueiras acesas no centro do quintal, representava um costume celta que significava livrar-se de todas as doenças e energias negativas e purificar o ambiente. A bruxa nos explicou que nos tempos antigos, costumava-se passar o gado e os animais domésticos entre as fogueiras com a mesma finalidade. Assim com o passar dos anos, veio o costume de "pular a fogueira", que é realizada nas festas juninas, que simboliza exatamente isso: a purificação. Achamos superinteressante a explicação e continuamos cantando e dançando ao redor das fogueiras.
A sensação era indescritível...
Talvez o vinho tenha contribuído para que nos sentirmos mais soltos e
purificados, mas a verdade era que sentíamos a energia da terra subindo pelas
nossas pernas e por incrível que pareça a natureza se fazia mais presente
naquele instante: uma forte sensação de paixão e esperança fazia parte de todos
nos naquele momento. Será magia? Ou será que simplesmente o amor do Deus e da
Deusa de Maio que estavam transbordando de paixão em nossos corações? Depois de
celebrarmos em conjunto ao redor das fogueiras, Alicia nos convidou gentilmente
para participar de outra tradição celta: o Maipole[4]
ou simplesmente "Mastro de Fitas", onde cada um de nos escolhe uma
das fitas coloridas que fica em volta do mastro e assim todos vão girando e
trançando as fitas, como se estivéssemos tecendo o próprio destino e o
colocando sob proteção dos deuses. Foi um momento muito divertido, e a essa
altura todos nos já estávamos completamente enturmados e contagiados com o a
paixão de Beltane.
Alicia se encarregou de explicar que esta tradição do Mastro
de Fitas também foi incorporada as festas juninas. Os gatos, cachorros e
passarinhos de Alicia não faziam mais diferença para nos. Muito pelo contrario
já faziam parte de nossas vidas. Percebemos ao final da celebração que a magia
daquela noite havia contagiado ate mesmo os animais, pois passaram todo aquele
tempo em volta de nos, como se participassem e entendesse todos os nossos
movimentos. Creio que naquela noite deixei a antipatia pelos gatos e agora já
sinto que posso conviver com eles, pois todos nos fazemos parte de uma mesma
natureza, racional que precisa ser celebrada e honrada todos os dias. Depois
dos rituais, já passava da meia-noite, ajeitamos tudo e ajudamos a bruxa a
organizar tudo em seus devidos lugares (os gatos pareciam fiscais pois nos
seguiam aonde íamos) e partimos para nossas casas. Cada um de nos levou um
pouquinho daquela noite dentro do coração. A experiência foi única e provavelmente
diferente para cada um de nos que participou da celebração Muitas vezes
deixamos de conhecer novas experiências, por puro preconceito ou medo de
conhecer o que se passa depois da nossa porta. Cada um tem uma historia para
contar, e a maior gratificação da vida é conhecer e buscar momentos novos para
fazerem parte de nossas vidas. Deixamos de viver por medo, por arrogância, por
despeito. Mas a vida e muito mais do que aquilo que conhecemos é uma janela que
deve estar aberta todos os dias, a espera de experiências novas e o toque dos
raios solares que ultrapassam esses limites serve para dar vida a nossa alma.
Conhecer um pouquinho das tradições celtas, através da bruxaria, foi apenas uma
das infinitas experiências que podemos passar, e oxalá que possamos conhecer o
mundo através dos nossos sonhos que num toque de mágica podem se tornar
realidade? A venda dos nossos olhos não é nada senão a nossa própria ignorância
para a beleza do mundo. Só quem arrisca em conhecer o belo pode se dizer
conhecedor de seus limites e a vida se resume na procura da felicidade, e a
felicidade está em nossos corações.
Autora: DALVA DAY – 2003 - CURSO DE SERVIÇO SOCIAL -
DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA
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