Com o advento da Lei nº
13.157, de 4 de agosto de 2015, os oficiais de justiça de todo o Brasil
passaram a contar oficialmente com o dia 25 de março para a celebração da sua
atividade profissional. Entretanto, a despeito da relevância da comemoração, o
aspecto mais relevante do referido dia se refere ao prosseguimento da luta pela
valorização dessa carreira jurídica tão pouco estudada. Deveras, ainda que
muitos profissionais do Direito demonstrem simpatia com a atividade
desempenhada pelos oficiais de justiça, poucos se debruçam sobre os desafios do
cargo e a necessidade de alterações profundas para a garantia de uma prestação
jurisdicional efetiva.
Desse modo, pretende-se neste artigo chamar a atenção
para as atribuições e os principais problemas enfrentados pelos oficiais de
justiça com o objetivo de que sejam superados e esses profissionais tenham
realmente algo a comemorar nos próximos anos, mormente o reconhecimento da
prestação de um serviço de excelência para a sociedade. Diante de um cargo
pouco aprofundado pela comunidade jurídica, a primeira questão a ser examinada
consiste nas atribuições desempenhadas pelos oficiais de justiça.
Diferentemente do que uma análise meramente perfunctória poderia concluir, a
atividade dos oficiais de justiça não se restringe à prática de atos de
comunicação (citações, intimações e notificações). Esses atos por si só são
extremamente relevantes, já que, por exemplo, a citação consiste no ato que
completa a estrutura tríplice processual, é pressuposto de validade do
processo, induz litispendência, torna litigiosa a coisa, interrompe a
prescrição e constitui o devedor em mora. Ademais, o oficial de justiça pode
precisar realizar o referido ato, na modalidade da hora certa, verificando de
forma autônoma a existência dos pressupostos subjetivos (suspeita de ocultação)
e objetivos (duas diligências, intimação preparatória de parente ou vizinho
etc.) que ensejam a citação ficta ou presumida. Não obstante, o oficial pratica
atos bem mais complexos e que requerem capacidade de análise autônoma dos
requisitos e limites da medida.
Com efeito, nos termos do art. 154 do CPC/2015
e demais dispositivos processuais civis, penais, trabalhistas, entre outros, os
oficiais de justiça também cumprem prisões, penhoras, arrestos, seqüestros,
buscas e apreensões, conduções coercitivas, afastamentos do agressor do lar,
alvarás de solturas, constatações, despejos, reintegrações de posse de bens
móveis e imóveis, realizam leilões de bens móveis e praças de bens imóveis,
coordenam as atividades dos jurados na Sessão Plenária do Tribunal do Júri para
garantir a incomunicabilidade, realizam avaliações de bens móveis e imóveis,
estimulam a autocomposição das partes, certificando eventual proposta nesse
sentido, entre tantos outros atos. Ressalte-se que os oficiais desempenham suas
atividades com elevado grau de autonomia. Assim, elaboram e assinam os autos e
certidões, assumindo em nome próprio a responsabilidade pelos atos processuais
que praticam.
Os magistrados cumprem o seu papel de fiscalizar a regularidade
de todos os atos processuais, mas não substituem um ato praticado pelo oficial
de justiça. A esse respeito, não seria despiciendo observar que se mostra
completamente fora da técnica jurídica o jargão de que o oficial “entrega mandados”.
A rigor, o oficial de justiça cumpre mandados, dotado da fé pública que a lei
lhe atribui, e a entrega da contrafé integra as formalidades do ato, mas não é
essencial para a sua validade. Outrossim, a elevada autonomia dos oficiais
torna inadequada a expressão amiúde utilizada de “longa manus” do magistrado. O
oficial de justiça não representa a “mão do juiz fora do fórum”, mas sim o
próprio Judiciário, na qualidade de ator processual relevante, praticando atos
atribuídos por força de lei. Inclusive, o art. 149 do CPC deixa evidente que o
oficial de justiça é um auxiliar da Justiça e não do juiz. A correção da
nomenclatura não se trata de mero preciosismo vernacular, mas da crítica a um
discurso muito evidente que não confere aos oficiais de justiça o respeito que
merecem pela relevância das suas atividades. Outro termo utilizado com o nítido
intuito de desprestigiar os oficiais de justiça é o que denomina os ocupantes
da carreira de “meirinhos”. Expressão da época do Brasil Colônia, do mesmo
período em que o magistrado era denominado de “meirinho-mor”, o termo
“meirinho” hoje está em descompasso com um cargo privativo de bacharel em
Direito, preenchido por disputado concurso público e com atribuições de elevado
grau de autonomia e complexidade. A utilização hodierna do termo em nada se
aproxima da origem da palavra, que se ligava ao termo “maiorinus” do latim, a
denotar a idéia de “grande” ou “maior”.
Com efeito, a prática de atos com
elevado grau de complexidade e autonomia fez com que a Lei nº 11.416/2006
reconhecesse o cargo de oficial de justiça de todos os órgãos do Poder
Judiciário da União como privativo de bacharel em Direito, conforme previsão do
art. 3º, I, do referido diploma legal. Muitos Estados também seguiram esse
mesmo caminho. A segunda questão digna de registro remonta à relevância da
atividade do oficial de justiça para o princípio da efetividade do Direito
Processual, um dos mais relevantes na moderna compreensão desse ramo. Deveras,
há muito tempo que os relatórios do Conselho Nacional de Justiça apontam para
os processos de execução, principalmente aqueles de execução fiscal, como sendo
os grandes vilões da taxa de congestionamento do Judiciário. Algumas
providências têm sido adotadas pelos vários órgãos do Judiciário para mitigar essa
dificuldade, como as ferramentas eletrônicas do Bacen-Jud, Renajud, Infojud
etc. Ademais, a Justiça do Trabalho já deu um passo além, com a criação dos
Núcleos de Investigação Patrimonial (Resolução GP nº 138/2014 do CSJT). Ainda
foi desenvolvido o Programa Nacional de Governança Diferenciada das Execuções
Fiscais com o objetivo de acelerar essas demandas. Entrementes, todos esses
instrumentos não se mostraram suficientes para fornecer à parte que invocou a
tutela jurisdicional do Estado a prestação vindicada. Assim, torna-se
necessário desenvolver outro modelo capaz de viabilizar a entrega do bem da
vida a que a parte tem direito. Nesse contexto, a atividade do oficial de
justiça se apresenta como uma grande alternativa, tendo em vista que esses
agentes públicos possuem a expertise necessária na investigação de bens.
Naturalmente, isso não significa apenas pressionar os oficiais com mais
atribuições a se acumularem com uma carga de trabalho atual já fora dos padrões
normais.
A mudança de perspectiva consiste em uma reformulação do modelo de
trabalho, concedendo-se maior autonomia para os oficiais de justiça e
utilizando-se mecanismos alternativos de comunicação de atos processuais, de
maneira a possibilitar a concentração dos oficiais na prática de atos que
apenas eles são capazes de realizar. Portanto, uma tutela jurisdicional célere
e efetiva depende inexoravelmente do trabalho dos oficiais de justiça. No
entanto, isso não será alcançado com ameaças e imposição de metas e processos
administrativos disciplinares, mas apenas com a valorização dessa categoria e a
possibilidade de participação na construção das soluções para a tramitação
rápida dos feitos. Esse novo arquétipo ensejará o encerramento efetivo das
execuções e a elevação substancial da arrecadação tributária, com o êxito dos
processos de execução fiscal. Atualmente, o índice de recuperação da dívida
ativa da União é baixíssimo em um contexto de créditos públicos cuja soma é
estimada em R$ 1,5 trilhão. Nesse cenário, torna-se necessário o desenvolvimento
de um novo modelo de trabalho para os oficiais de justiça, pautado na atuação
estratégica e em condições de segurança. Inicialmente e com urgência, os
Tribunais devem adotar diversas providências para que os Oficiais exerçam suas
atribuições sem correr riscos. Nos últimos tempos, a violência contra oficiais
de justiça tem crescido de forma alarmante. Assim, em primeiro lugar, os
oficiais de justiça devem receber uma carga menor de mandados, a fim de
viabilizar o trabalho no mínimo em dupla e com a possibilidade de adotar
técnicas de segurança para mitigar os riscos.
Outrossim, os Tribunais precisam
desenvolver mecanismos para pesquisas automáticas de antecedentes criminais e
do mapa de criminalidade das Secretarias de Segurança Pública. Imprescindível
nessa mesma toada a parceria com órgãos policiais, com a realização de cursos
freqüentes de defesa pessoal, condução operacional, tiro, abordagem etc. A esse
respeito, faz-se mister que os Tribunais requeiram à Polícia Federal a
autorização do porte de arma para os oficiais de justiça, que ficaria apenas
condicionado à realização dos testes específicos de aptidão. Também seria de
grande relevância o fornecimento de equipamentos de segurança para os oficiais
de justiça, como coletes balísticos e armas de choques, à guisa de ilustração. Digno
de registro que alguns oficiais, em virtude da completa depreciação do valor
pago a título de indenização de transporte, encontram-se pleiteando viaturas
oficiais para o cumprimento dos mandados com a abdicação da verba indenizatória
para utilização do veículo próprio. Nesses casos, os Tribunais devem fornecer
veículo e motorista para conduzir os oficiais até os locais das diligências. Importante
também que os oficiais de justiça sejam inseridos nos Núcleos de Inteligência
dos Tribunais para facilitar um fluxo de informações relativas à segurança mais
ágil para os oficiais. A integração entre os oficiais e os agentes de segurança
deve ser bem afinada para que um segmento municie o outro de dados relevantes
para o melhor desempenho das suas atividades. Para além da questão da
segurança, diversas outras providências precisam ser adotadas com o objetivo de
garantir a valorização dos oficiais de justiça. Nesse raciocínio, impende
salientar que os oficiais de justiça cumprem atos processuais em desfavor das
mais altas autoridades do país, englobando Presidente e Vice-Presidente da
República, Ministros de Estado, Governadores, Senadores, Deputados, Ministros
das Cortes Superiores, Desembargadores e Juízes. Atualmente, entretanto, o
oficial de justiça que cumpre um mandado de busca e apreensão na residência de
uma autoridade se sente vulnerável a uma retaliação posterior, o que prejudica
a sua independência.
Dessa forma, imprescindível que o oficial de justiça goze
de determinadas prerrogativas para que se desincumba de seus misteres de forma
independente. Dessarte, da mesma forma como ocorre com os magistrados, os
membros do Ministério Público e os defensores públicos, a atividade dos
oficiais de justiça também requer, para a sua independência, prerrogativas
como, por exemplo, as da inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de
vencimentos. Naturalmente, a valorização do cargo também perpassa por uma
remuneração compatível com a complexidade das atribuições. O quadro
remuneratório dos servidores públicos de 15 anos atrás exibia um cenário muito
próximo entre oficiais de justiça, magistrados, membros do Ministério Público
e, principalmente, defensores públicos, advogados da união e delegados
federais. Agora, torna-se necessária a correção da desvalorização dos oficiais
nos últimos anos. Atualmente, os oficiais possuem uma das remunerações mais
baixas das carreiras jurídicas na esfera federal. Aliás, a recomposição
remuneratória deve ocorrer em relação a todas as carreiras do Judiciário e do
Ministério Público, tendo em vista que as perdas em relação às carreiras
análogas do Legislativo e do Executivo saltam aos olhos, ensejando uma taxa de
evasão elevada. Um Judiciário e um Ministério Público fortes dependem de
servidores satisfeitos e remunerados de forma justa. Outra questão que merece
reflexão se refere às eleições nos Tribunais.
De forma preponderante nos
diversos Tribunais espalhados pelo país, apenas os Desembargadores escolhem os
órgãos diretivos, incluindo Presidente, Vice-Presidente, Corregedor etc. Não
obstante, nos últimos anos, houve o início de uma guinada rumo à democratização,
abrindo-se a possibilidade, em alguns Tribunais, para a participação de
magistrados de primeiro e segundo grau votarem nos seus candidatos. A
democratização dos Tribunais irá viabilizar uma oxigenação muito positiva para
a gestão administrativa. Mais do que votar, todos os magistrados de primeiro e
segundo grau devem ter a possibilidade de serem eleitos. Os cargos diretivos
dos Tribunais não integram a evolução da carreira da magistratura. Assim, são
cargos que podem ser ocupados por magistrados de primeiro grau, com enorme
potencial gerencial. Da mesma forma, os servidores devem ter o direito de votar
nos cargos de direção do Tribunal. Os servidores são tão interessados no bom
funcionamento do Judiciário quanto os magistrados, e as deliberações dos órgãos
de direção influenciarão a vida de todos. O direito de voto para os servidores
ensejaria um maior compromisso com o segmento por parte dos possíveis
candidatos e dos eleitos, além de engajar mais os servidores nas grandes
decisões do Judiciário. A título de ilustração, a grande maioria das
universidades federais utiliza um modelo paritário de eleições, em que os votos
de professores, servidores e alunos possuem o mesmo peso (1/3 para cada
segmento). Os indicados a Reitor e Vice-Reitor devem ocupar os dois níveis mais
elevados da carreira de docente ou possuírem o título de doutor. Os nomes mais
votados são encaminhados em lista tríplice para o Presidente da República, que
nomeia o Reitor. No Ministério Público, já é comum a possibilidade de todos os
membros da carreira participarem das eleições, podendo tanto votar quanto ser
votados. De outro lado, há alguns pleitos antigos dos oficiais de justiça que
devem ser concedidos para a sua valorização. Um exemplo é a possibilidade de
exercer a advocacia, como inúmeras outras carreiras do serviço público. Não há
sentido em impedir que um servidor no seu horário de repouso produza mais para
a sociedade. Do mesmo modo, a aposentadoria especial deve ser reconhecida o
quanto antes para os oficiais, de maneira a compensá-los do desgaste físico e
mental excepcional decorrente da sua atividade de risco em prol da sociedade.
Por fim, a recomposição da indenização de transporte é urgente para que o
oficial não seja onerado com os custos para a prestação de um serviço público
de responsabilidade dos Tribunais.Diante de tudo isso, percebe-se que 25 de
março deve ser celebrado como o dia de luta de uma categoria que enfrenta uma
série de dificuldades, mas que não desistiu de buscar melhores condições de
trabalho. Isso porque sabe da relevância da sua atividade para garantir os
direitos e solucionar os conflitos sociais. Não existe justiça sem o oficial de
justiça! Parabéns a todos que dedicam suas vidas à efetivação dos direitos dos
cidadãos! Feliz Dia Nacional do Oficial de Justiça! Brasília/DF, 25 de março de
2016.
*Presidente da
Associação dos Oficiais de Justiça do Distrito Federal, Membro do Conselho
Deliberativo da Associação dos Servidores da Justiça do Distrito Federal,
Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios, Professor de Direito da Faculdade Projeção e de Cursos
Preparatórios para o Exame da OAB e Integrante do Grupo de Pesquisa de Direito
Empresarial e Desenvolvimento do UniCEUB. Bacharel em Direito na Universidade
Federal da Bahia, Especialista em Direito na Escola da Magistratura do Distrito
Federal e Mestre em Direito e Políticas Públicas no UniCEUB.
http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos/2016-1/25-de-marco-2013-dia-nacional-do-oficial-de-justica-uma-comemoracao-marcada-pela-necessidade-de-valorizacao-do-cargo-gerardo-alves-lima-filho
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